Dino D’Santiago foi o convidado da assembleia municipal comemorativa do 25 de abril em Loulé
Passado um ano em que a conselheira de Estado Lídia Jorge foi a convidada da Assembleia Municipal de Loulé comemorativa do 25 de Abril, foi a vez de Dino D’Santiago ter levado ao Cineteatro Louletano um discurso alusivo a estas celebrações. Um “Manifesto da memória e da esperança ferida” foi assim que o artista intitulou a sua alocução nesta sessão, pautada pelos discursos protocolares e apontamentos musicais.
Com o tema “Sob as cinzas de um sonho europeu”, o orador falou do sonho de uma Europa unida e da realidade atual em que os extremismos ameaçam um regresso a um passado doloroso. O músico trouxe à memória desta Assembleia a visão de Robert Schuman que, em 1950, imaginou “um continente em comunhão”, depois de dizimado pela Guerra.
“Naquela altura os povos europeus caminhavam entre escombros físicos e emocionais. Ousou propor algo que parecia impossível, substituir as trincheiras pela cooperação e fazer da reconciliação o solo fértil onde se plantaria um futuro comum”, afirmou. No entanto, de acordo com Dino D’Santiago, passados 75 anos, esse sonho não foi cultivado e a desinformação num mundo cada vez mais digital enfraqueceu a democracia ocidental. Nesta Europa “não se ouvem hoje as sirenes da guerra, mas o murmúrio das mentiras que ocorre nas catacumbas digitais. A desinformação alastra como um veneno silencioso, alimentando-se das fragilidades humanas, corroendo os alicerces da democracia”, continuou.
Por outro lado, as velhas feridas persistem, nomeadamente “o colonialismo que nunca foi plenamente enfrentado, as desigualdades estruturais que se aprofundam, o medo do diferente”. E Dino apontou os populismos como causadores deste novo tipo de guerra: “Temos direito de sonhar uma cidadania comum, mas a extrema direita com o seu chicote invisível rasga novas feridas sobre um corpo já exausto”, notou.
Perante esta encruzilhada, o autor de “Mundu Nôbu” acredita que nem tudo está perdido e que cabe a “cada um de nós, enquanto cidadãos” reacender a chama do sonho de Schuman. “É preciso que nos levantemos não apenas para preservar o que foi conquistado, mas para construir aquilo que ainda falta. Nas cinzas do presente talvez possamos encontrar fermento para uma nova Europa, não uma Europa de sombras e muros, mas uma Europa de luz”, concluiu.
A Assembleia prosseguiu com os discursos dos representantes das bancadas parlamentares com assento neste plenário: PAN (Ana Poeta), CDU (Carla Gomes), CDS (António José Farrajota), BE (Carlos Martins), CHEGA (Sandra Castro), PSD (Ruben Santos) e PS (Carlos Costa).
Na sua intervenção, Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, frisou a importância de celebrar Abril numa altura em que “um perigo real de retrocesso espreita”. “Hoje, numa altura em que, em que em todo o mundo, se vive uma vaga de contestação à democracia protagonizada por figuras e partidos políticos populistas e de extrema-direita a que Portugal também não escapa, mais que nunca celebrar a Revolução dos Cravos passou a ser uma necessidade imperiosa”, destacou o autarca.
No dia em que se encerraram as comemorações de meio século do 25 de Abril, Vítor Aleixo recordou as inúmeras iniciativas realizadas no concelho ao longo do último ano, como exposições, espetáculos de música, teatro e dança, cinema, apresentação de livros e debates, duas Assembleias Municipais Jovens, atividades nas escolas e a nomeação de edifícios públicos marcantes para a comunidade (Pavilhão Multiusos 25 de Abril, em Almancil, e Avenida Mário Soares, em Loulé).
Num dia em que a democracia foi celebrada, o presidente da Assembleia Municipal de Loulé, Carlos Silva Gomes, falou do trabalho desenvolvido pelo poder local para contrariar o desencanto pela vida política a atividade partidária por parte de muitos cidadãos. “O poder autárquico nos concelhos e nas freguesias desempenha um papel determinante no que respeita à participação ativa dos cidadãos na vida pública e na afirmação dos valores comunitários, contrariando diariamente a tendência para uma sociedade cada vez mais individualista. A nossa democracia não seria a mesma sem a participação de milhares de autarcas que têm trabalhado para a sua consolidação e sem a contribuição de milhares de profissionais que desempenham funções nos órgãos autárquicos”, sublinhou.
Nesse sentido, falou da prática da Assembleia a que preside, dos líderes de bancada e deputados, “centrada no respeito, na livre expressão de ideias e na vivência de uma democracia autêntica, apesar das diferenças partidárias, políticas e ideológicas”.
A manhã terminou com uma visita à exposição “O Cravo é meu?”, do artista Francisco José, com peças alusivas ao 25 de Abril, patente ao público no foyer do Cineteatro.
“Depois de tantos prémios que recebi por este mundo fora, recebo uma homenagem tão bonita na minha terra como a que o Francisco José fez”, disse Dino D´Santiago, presenteado com um boneco do músico criado pelo artista plástico. Num dia simbólico também para Dino D’Santiago já que foi lançado o seu novo álbum, “Di Dentu Pa Fora”, fruto de um trabalho de dois anos no sistema prisional.