Quercus congratula-se com a não execução da nova ponte para a praia de Faro.
Comunicado de imprensa
Após denúncia no ministério público, quercus congratula-se com a não execução da nova ponte para a praia de faro. e deixa um aviso: a ria formosa é, primeiro e acima de tudo, um parque natural.
O projeto promovido pela Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, S.A. (em liquidação), designado por “Ponte e Acessos à Praia de Faro e Parque de Estacionamento Anterior” tem estado ao longo dos últimos sete anos envolvido em inúmeros revezes, condenado a não ser executado. Após dois concursos vazios, foi anunciado em setembro passado o lançamento da terceira tentativa de concurso público. Face a uma irregularidade detetada neste concurso, que envolve o procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental, a Quercus apresentou uma denúncia junto da Procuradoria da República Administrativa e Fiscal Sul (Loulé).
A importância ecológica da zona determinou que, face à pretensão de se executar uma obra como a aqui em causa, fosse desencadeado um procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) que incluiu a elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental. Após análise e consulta pública, foi emitida a declaração de Impacte Ambiental (DIA), pela Secretaria de Estado do Ambiente, que foi decidida favoravelmente, mas condicionada ao cumprimento das condicionantes aí descritas, em novembro de 2013, fez sete anos. A DIA continha a indicação de 35 elementos a entregar, adicionalmente, em fase de Projeto de Execução e Respetivo Relatório de Conformidade Ambiental (RECAPE) a que acresciam ainda outras condições para o licenciamento do projeto, incluindo 113 medidas de minimização de impactes entre a fase prévia à execução das obras e a fase de construção. Eram ainda requeridos um conjunto de diversos programas de monitorização sendo estes continuamente justificados no documento pelas características frágeis quer geológicas quer ecológicas já que “a área afeta ao projeto inclui áreas de sapal, caracteristicamente com elevado valor ecológico intrínseco” indicando que existiam “riscos de ocorrência de impactes significativos no ecossistema, nomeadamente devido a alterações no hidrodinanismo do esteiro do Ancão”.
Pode ainda ler-se, na página. 20 da DIA, que “…a presente DIA caduca se, decorridos dois anos a contar da presente data, não tiver sido iniciada a execução do respetivo projeto”. Decorreu menos de um ano e o RECAPE é apresentado, cumprindo o prazo estipulado. A decisão da conformidade ambiental do projeto de execução é então emitida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCRD Algarve) como conforme, mas condicionada, em 16 de outubro de 2014, com a informação de que “a presente decisão caduca se, decorridos 4 anos a contar da presente data, não tiverem sido iniciados os trabalhos de implementação do projeto”. Ou seja, a aprovação está caducada há mais de dois anos, situação que agora a Quercus denunciou.
A caducidade destes documentos prende-se com o fato de as questões ambientais serem muito dinâmicas, principalmente numa zona lagunar como é a Ria Formosa. Um estudo com quase oito anos pode já não evidenciar corretamente as características do ecossistema e torna-se necessário fazer tudo de novo. Adicionalmente, quando do lançamento do concurso público, foram feitas declarações aos meios de comunicação social que indiciavam que estariam a ser planeadas novas alterações ao projeto a fim de reduzir os custos da obra, nomeadamente de demolição, e viabilizar assim a construção que não tinha tido, já por duas vezes, concorrentes. A acontecer, esta seria mais uma situação altamente irregular pois qualquer alteração ao projeto tem de ser comunicado e resubmetida à apreciação no procedimento que esteve sobre auscultação pública.
A consulta pública incluiu várias participações de entidades conhecedoras que alertaram para os perigos ambientais desta intervenção. Decorridos todos estes anos a evolução quer das políticas de mobilidade quer dos instrumentos de proteção ambiental nas áreas protegidas foi significativa e esta é, afinal, uma oportunidade do município de Faro, que ocupa 26% do território do Parque Natural da Ria Formosa, alinhar numa outra solução de acesso à praia, mais moderna e sustentável. Esta nova ponte de duas faixas viárias, que propõe ligar terra a um cordão dunar, já de si uma incongruência, não é mais que um estímulo à circulação de automóveis e uma pressão adicional numa uma zona ambientalmente sensível o que está em total contraciclo com as políticas ambientais da União Europeia. A forte instabilidade geológica da zona e moderada atividade sísmica da região deveriam ser também consideradas como fortes ameaças a qualquer investimento que ali se pretenda realizar que pode rápida e recorrentemente ser perdido para as forças da Natureza.
O Núcleo Regional do Algarve da Quercus discorda, na base, veementemente, da realização deste tipo de projetos em zonas de valor ecológico inestimável como o é o da Ria Formosa. Estamos a falar de uma nova ponte sobre uma área abrangida por inúmeras proteções e classificações ambientais que se iniciam em 1978 com a classificação como Reserva Natural que passa depois em 1987 a Parque Natural, classificação atribuída pelo Decreto-lei 373/87 de 9 de dezembro. O Parque Natural da Ria Formosa sobrepõe-se parcialmente à Zona de Proteção Especial (ZPE; PTZPE0017) da Ria Formosa, classificada pelo Decreto-Lei n.o 384-B/99, de 23 de setembro, e ao Sítio de Importância Comunitária (SIC; PTCON0013) Ria Formosa Castro Marim, classificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.o 142/97, de 28 de agosto, ambos no âmbito da Rede Natura 2000. Adicionalmente é, desde 1980, um sítio Ramsar (sítio no 212), uma zona húmida classificada como local de importância ecológica internacional ao abrigo da Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional (ou Convenção Ramsar).
É preciso compreender, definitivamente, que as novas construções, de diversas índoles, ameaçam efetivamente o maior valor da região e que não faz sentido o Estado investir em demolições, evocando razões ambientais, para depois o mesmo Estado apoiar investimentos avultados em novas construções cujo efeito ambiental é, com certeza, mais pernicioso, pois o existente configura um impacte ambiental já absorvido.
Faro, 8 de dezembro de 2020
A Direção do Núcleo do Algarve da Quercus