Ambiente

ZERO considera que mercado voluntário de carbono em Portugal terá que assentar em critérios muito mais rigorosos

Termina hoje, dia 11 de abril, a consulta pública sobre a proposta preliminar do Governo sobre a configuração do mercado voluntário de carbono (MVC) em Portugal e regras para o seu funcionamento. Trata-se de um sistema em que organizações, nomeadamente empresas, podem comprar créditos de carbono como forma de compensar voluntariamente as suas emissões de carbono. Estes créditos representam a remoção dessas emissões através de projetos desenvolvidos por promotores. A proposta em consulta assenta sobretudo em projetos de sequestro florestal de carbono, com uma priorização clara dos territórios vulneráveis, e é enquadrada numa lógica de contribuição para a ação climática do país.

Para a ZERO, a instituição de um mercado voluntário de carbono não pode servir para ajudar a cumprir objetivos climáticos previamente definidos e que terão que ser alcançados independentemente dele. O princípio da adicionalidade deverá, portanto, ser especialmente salvaguardado, sendo que o MVC deverá garantir a prossecução de projetos de mitigação e sequestro de carbono verdadeiramente adicionais, ou seja, que potenciem a redução e remoção de emissões para além das metas estipuladas. Só assim o MVC português poderá trazer valor acrescentado e ser um mecanismo eficaz na estabilização do clima, não só no contexto da neutralidade climática até 2045, mas na perspetiva mais alargada de antecipar essa data e limitar o aquecimento global a 1,5°C até ao final do século.

O mercado voluntário de carbono não pode substituir a redução de emissões na fonte

O mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês) demonstra que é necessário um maior investimento em tecnologias de remoção permanente de dióxido de carbono (CO2) para garantir a compensação das emissões residuais que não podem ser evitadas. No entanto, as remoções de CO2 terão sempre que ser um último recurso, não podendo substituir nem comprometer o objetivo principal de redução das emissões na fonte.

Neste sentido, a ZERO expressa preocupação relativamente aos mercados voluntários de carbono enquanto conceito eficaz para a prossecução de ação climática efetiva, pois potencialmente desviam a atenção (e recursos) do foco principal: uma redução célere e profunda das emissões, e a atual proposta para o MVC em Portugal infelizmente é um exemplo disso.

Efeito iô-iô: emite, remove, volta a emitir

Um dos maiores problemas associados a projetos de gestão florestal no quadro dos mercados voluntários de carbono prende-se com a observância do critério da permanência, isto é, a capacidade de remover o carbono da atmosfera e armazená-lo de forma segura por períodos iguais ou superiores aos de permanência na atmosfera dos Gases de Efeito de Estufa (GEE) – no caso do CO2, centenas de anos. A proposta do Governo falha, desde logo, em assegurar a necessária robustez dos instrumentos propostos, já que dá primazia a projetos de gestão florestal que, face à crescente vulnerabilidade do território português a situações de incêndios e a períodos prolongados de seca extrema, dificilmente poderão assegurar de forma permanente o armazenamento de carbono.

O IPCC refere que, para alcançar a neutralidade climática, é necessário que as emissões residuais de CO2 sejam contrabalançadas por remoções armazenadas permanentemente. Ora, em termos climáticos, permanência significa séculos ou milénios, e não décadas, que será tendencialmente o tempo médio de duração dos projetos.

Neste contexto, a ZERO considera absolutamente vital o apoio aos gestores florestais e agrícolas na prossecução de boas práticas silvo-agro-pastoris e na promoção dos serviços de ecossistema que estas fornecem. Contudo, esse apoio deverá ser feito preferencialmente de forma direta e através da melhoria e reforço dos programas existentes, como seja o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) ou contribuições para a ação climática, e não através do mercado voluntário de carbono e, especialmente, não numa lógica de contribuição para os objetivos de remoção de carbono, que dificilmente poderão ser assegurados, só por si, no longo-prazo.

Para além disso, a provável reversão de emissões – em que o carbono armazenado volta para a atmosfera sempre que há incêndios – implica um efeito iô-iô, pois a proposta prevê que a eventual compensação dessas reversões seja feita recorrendo a mais projetos florestais; desta forma, não se garante a estabilização do clima, nem tão pouco a credibilidade do mercado voluntário que se pretende instituir e a permanência das remoções que, em conjunção com outros benefícios, deveria ser o objetivo principal da proposta.

ZERO propõe mecanismos mais robustos e rigorosos para lidar com o risco de reversões

A proposta de decreto-lei propõe um mecanismo para salvaguardar eventuais reversões que assenta sobretudo na constituição de uma bolsa de garantia, para a qual revertem 20% dos Créditos de Carbono Verificados (CCV) emitidos pelos projetos de sequestro de carbono, com exceção dos projetos em territórios vulneráveis, que revertem 10%. Para a ZERO, algumas medidas são essenciais para tornar esta proposta mais sólida:

  1. Na eventualidade de a bolsa de garantia não dispor de créditos suficientes para suprir as emissões de GEE por força de uma reversão, a proposta prevê que o Fundo Ambiental adquira os créditos em falta. Para a ZERO, o Fundo Ambiental não deve adquirir quaisquer créditos de carbono, sendo a prioridade da sua ação custear políticas públicas eficazes de mitigação de emissões e de eficiência energética ou com outros co-benefícios ambientais. Ao invés, deve existir uma contratualização obrigatória de um seguro que, em caso de reversão das emissões associadas a cada projeto para além do disposto na bolsa de garantia, garanta a aquisição, pelo promotor do projeto, de novos créditos no mercado (nacional ou internacional) que correspondam à remoção da atmosfera do carbono revertido, no espaço de um ano, e assegurem  o seu armazenamento permanente (e.g. captura direta de dióxido de carbono do ar e armazenamento no subsolo por mineralização).
  1. Os efeitos dos projetos devem ter um horizonte de pelo menos 100 anos, que é o período tido em conta na avaliação do impacte climático dos GEE nos cenários de referência.
  1. A geração e aquisição de créditos de carbono futuros – créditos emitidos com base num potencial de redução de emissões de GEE ou de sequestro de carbono previstos para o período de duração do projeto – deve ser retirada da proposta, uma vez que se trata de remoções possíveis e não efetivas.
  1. As entidades que adquirem créditos de carbono não os devem usar para substituir esforços de mitigação de emissões. Por isso, devem existir mecanismos que o previnam, como a imposição de um sobrecusto nessa aquisição sempre que as reduções de emissões conseguidas pela entidade adquirente sejam inferiores à redução média do sector em que operam (à escala europeia), devendo o sobrecusto ser proporcional a essa diferença. Desta forma, caso a empresa interessada apresente uma redução de emissões inferior à média europeia, o crédito de carbono será proporcionalmente mais caro.

ZERO saúda mecanismos de monitorização e escrutínio, mas é preciso melhorá-los

A ZERO acolhe positivamente a criação de uma plataforma pública de registo dos projetos e dos créditos que permita o seu rastreio, sendo esta uma boa forma de garantir transparência num mercado que é tipicamente desregulado, com consequências nefastas em termos de credibilidade.

O relatório que a proposta do governo prevê por parte Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a publicar no primeiro trimestre de cada ano, deve, na opinião da ZERO, incluir informação crucial para avaliar a utilidade deste mecanismo, tanto por projeto, como no conjunto dos projetos em termos anuais e acumulados, como sejam:

  1. O balanço climático.
  2. O total de emissões de GEE evitadas.
  3. As emissões de GEE associadas às operações de execução e manutenção dos projetos.
  4. A totalidade dos GEE que regressaram à atmosfera após reversões intencionais e não intencionais.
  5. A totalidade das emissões de GEE associadas às atividades de monitorização e fiscalização dos projetos.

A ZERO estará atenta às metodologias adotadas pelos projetos aprovados pelas entidades competentes, prestando particular atenção ao envolvimento das comunidades e ao tipo de investimentos que serão aceites, os quais evidentemente terão que ser realizados em projetos que de outra forma não seriam realizados, e que deverão excluir a plantação de eucaliptais ou solar intensivo, por exemplo.

Tendo em conta que o mercado proposto assenta sobretudo em projetos de gestão florestal, é fundamental que se estabeleçam critérios rigorosos sobre os projetos, nomeadamente uma restrição clara às monoculturas de regime intensivo. Na mesma linha, é importante promover não só as boas práticas e os serviços de ecossistemas através dos Créditos de Carbono +, estabelecendo um requisito claro para que se invista nas espécies autóctones que, de mais a mais, vão ajudar a tornar a nossa floresta mais resiliente e biodiversa.

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