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Comemoração do centenário de Laura Ayres arrancou com testemunhos sobre a vida e obra da médica louletana

A ideia partiu do médico Rui Lourenço e foi de imediato abraçada pela Autarquia, que constituiu uma comissão multidisciplinar para concretizar o desafio: homenagear Laura Ayres, ilustre louletana que se destacou como médica, investigadora, pedagoga e professora de saúde pública, com um programa comemorativo do centenário do seu nascimento. O arranque das atividades aconteceu no passado dia 1 de junho, numa sessão que juntou, na sala da Assembleia Municipal, um conjunto de pessoas ligadas sobretudo à área da saúde e que conviveram de perto com ela, quer profissionalmente ou de uma forma mais pessoal, deixando testemunhos emocionados.

Como explicou o comissário destas comemorações, “foi convidado um conjunto de parceiros que dão corpo à celebração do centenário de Laura Ayres” e, nesse sentido, foi celebrado um memorando de entendimento para levar a cabo um programa de atividades até maio de 2023. As primeiras atividades foram uma exposição patente ao público na escola de que é patrona, em Quarteira, mas também o lançamento pelos CTT de um selo comemorativo desta efeméride.

 “Laura Ayres é um mote para a construção do sentimento de pertença e de cidadania que este território tanto necessita”, sublinhou Rui Loureço, que também privou com esta louletana, enquanto aluno, na década de 80.

Seguiu-se uma intervenção do antigo Ministro da Saúde, António Correia de Campos, que nos últimos 20 anos de vida de Laura Ayres foi um “limitado observador participante” da sua atividade, colaborando com ela em diversos projetos mas mantendo também uma relação pessoal de amizade.

Assumiu-se nestas palavras dirigidas à plateia como um admirador de Laura Ayres, “encantando pela sua figura sorridente, energia disciplinada e tolerante, pelo contágio da sua alegria de viver e de trabalhar, pelo rigor de análise e sobretudo pela coragem em tomar decisões quase nunca fáceis, a sua maternalidade crítica, o exotismo de algumas das suas posições e, sobretudo, a capacidade formidável de criar equipas e de as manter organizadas e utilmente ocupadas, sempre com vista ao serviço público”.

Correia de Campos recordou muitas das estórias que viveu de perto com Laura Ayres e do seu percurso profissional, fosse no INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, na Escola de Saúde Pública, no Instituto de Ciências Biomédicas de Lisboa, além de muitas outras estruturas nacionais, do seu papel além-fronteiras.

Em termos políticos, e apesar de ser uma pessoa “sem filiação que se lhe conhecesse”, salientou a sua personalidade destemida, no início dos anos 70, recordando o “uso permanente e impositivo do seu emblema da Comissão Democrática Eleitoral – CDE, um movimento político congregador de várias oposições ao regime de Salazar e Caetano, criado nas eleições de 69 da então Assembleia Nacional”. “Nenhum de nós se atreveria, sobretudo os que tinham acabado de entrar para a administração pública, a ostentar na lapela, o emblema de uma coligação de comunistas, católicos e independentes”, ressalvou.

O antigo ministro falou ainda do facto de ter sido “premonitória”, ao debruçar-se sobre a investigação nas áreas da legionela ou da Sida, quando o mundo ainda começava a despertar para esta doença. Mas também nos seus estudos que apontavam já para a pandemia que o mundo viveu nos dois últimos anos. “Há 40 anos parecia adivinhar o futuro ao enunciar os fatores socioculturais, movimentos populacionais dentro e fora do país, rejeição de vacinas ou de outras medidas de controlo por indivíduos ou grupos populacionais”, referiu.

Presidente da Comissão Nacional da Luta contra a Sida foi um “rosto mediático” mas teve também um papel decisivo “na redução do estigma de uma doença cujos principais meios de transmissão tinham tudo para gerar mecanismos de irracional culpabilização”.

“Trinta anos passados sobre o desaparecimento físico, o seu nome e o seu exemplo ficaram entre nós. Recordá-la-emos sempre como figura ímpar da cultura científica nacional”, disse ainda o colega e amigo.

Após o visionamento de um documentário sobre a vida e obra de Laura Ayres foi ainda tempo para uma mesa-redonda onde, além de Correia de Campos, estiveram presentes o filho da homenageada, embaixador em Budapeste, Jorge Ayres Roza de Oliveira, Francisco George, ex-diretor geral de saúde, médico de saúde pública e aluno da homenageada, Francisca Avillez, ex-subdiretora do INSA, Ana Jorge, ex-Ministra da Saúde, atual presidente da Cruz Vermelha e colega de Laura Ayres na Escola de Saúde Pública, e Jorge Torgal, ex-presidente do INFARMED. Testemunhos sobre uma mulher que soube conjugar, de forma exemplar, humildade e sabedoria. Uma mulher que deixou “um legado que vai perdurar para sempre” e que realizou uma intervenção oportuna enquanto pedagoga nas célebres lições populares transmitidas pela RTP, como recordou Francisco George.

“Uma mente avançada que tinha duas características que a prejudicaram: ser mulher e ser de esquerda”, disse Francisca Avillez. Uma cientista que, como recordou Ana Jorge, não tinha um “um ar cinzento mas muitos apontamentos femininos”. Já Jorge Torgal disse ter sido uma “mulher que sempre soube lidar com todos os problemas”, por exemplo através da forma como falava e era bem acolhida pelos grupos de casais homossexuais.

E foi desse lado de “justiça e igualdade social e a luta por um mundo melhor” que o seu filho, Jorge Ayres de Oliveira, sublinhou também, por exemplo em simples gestos como o ter acolhido a colega Isabel do Carmo, na altura a viver na clandestinidade, no seu apartamento em Sesimbra.

Centro de congressos Drª Laura Ayres

Depois do nome de uma escola, em Quarteira, de uma rua, em Loulé, e do Laboratório Regional, no Parque das Cidades, o Município pretende que o novo centro de congressos – “Meeting Center” -, integrado no edifício do ABC – Algarve Biomedical Center, que se projeta para Vilamoura, dedicado ao envelhecimento, venha também a ter o nome de Laura Ayres.

Trata-se de um espaço para conferências internacionais, com uma capacidade para receber 500 pessoas. O presidente da Câmara de Loulé anunciou durante esta sessão que irá apresentar a proposta ao ABC e às organizações que o constituem (Centro Hospitlar Universitário do Algarve e Universidade do Algarve) mas acredita que a mesma será acolhida “com muita alegria”.

“Não há maneira melhor do que recuperar a memória da Drª Laura Ayres do que fazer um centro de produção de conhecimento científico público”, garantiu o autarca. Quanto à homenageada, enalteceu a “riqueza humana, o seu lado cívico capaz de abraçar causas em momentos difíceis, sempre à frente do seu tempo”.

Numa terra que “gosta de cultivar e dar a conhecer aqueles que são os seus símbolos maiores “, Vítor Aleixo é da opinião que este programa comemorativo poderá constituir um momento para “aprofundarmos esta personalidade e este ativo patrimonial e humano do nosso concelho”.

Já Carlos Silva Gomes, presidente da Assembleia Municipal, reportou-se aos “padrões de exigência elevadíssimos” da homenageada, quer como cidadã, como médica, como cientista e quanto responsável por inúmeros serviços públicos na área da saúde. E acredita que esta é também uma oportunidade para “homenagear todos os profissionais de saúde que, de forma abnegada, continuam a dar o melhor de si ao Serviço Nacional de Saúde e a todos nós”.