Das fibras de ananás à poupança de 70% de água, as empresas portuguesas dão cartas nos têxteis sustentáveis
Arrancou ontem o ciclo de webinars Empresas Mais Circulares, organizado pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal em conjunto com as suas associadas, e em parceria com a EY-Parthenon, que abordou as oportunidades e barreiras da circularidade no setor têxtil e vestuário.
O primeiro evento contou com a organização da ATP, entidade representativa do setor têxtil e do vestuário.
Inês dos Santos Costa, Secretária de Estado do Ambiente, começou por destacar o desafio da regulação e legislação europeia no sentido de equilibrar as condições competitivas e de sustentabilidade das empresas europeias face às empresas de países terceiros. As empresas europeias enfrentam maiores exigências em termos ambientais e de sustentabilidade, que se refletem na capacidade de competir em preço com esses países. Abordou ainda as alterações à forma de consumo como absolutamente críticas para a mudança de paradigma da indústria têxtil e do vestuário, do fast fashion para um modo de consumo mais sustentável. Inês Santos da Costa lembrou que a produção de uma só t-shirt consome 2.700 litros de água, o necessário para o consumo de um ser humano durante mais de dois anos. E adianta: “Temos que voltar a gostar das histórias que as nossas roupas nos contam e acrescentar novas histórias através da reutilização”, numa ideia clara contra o consumo descartável.
O evento contou também com um showcase de boas práticas que contou com empresas nacionais de referência em termos de boas práticas e modelos de Economia Circular.
Patrícia Ferreira, CEO da Valerius HUB, empresa que resolveu o problema de stocks dos seus clientes em fim de coleção através da reciclagem de fibras têxteis em novos produtos com blends de fibras sustentáveis. Através de uma rede de parcerias com clientes e fornecedores de equipamentos para a reciclagem de têxteis, a empresa é hoje uma referência no reaproveitamento de subprodutos têxteis através de uma valorização economicamente atrativa. Além disso, têm uma equipa dedicada ao estudo do desenvolvimento de novas fibras, de papel, de banana, ananás, entre outras.
Miguel Silva, administrador da Sasia, evidenciou que a reciclagem têxtil já tem décadas de história e de desenvolvimento. A Sasia, uma recicladora têxtil de referência, opera desde 1952, com clientes que já vão na 3ª geração. Esta visão madura do processo de reciclagem permitiu evidenciar as principais barreiras técnicas e de como o Ecodesign é tão importante para se garantir um processo de reciclagem eficiente.
João Almeida, administrador da JF Almeida, destacou a aposta da empresa em produtos com fibras recicladas e investimentos avultados na eficiência energética e produção de energia para autoconsumo, e mostrou como é possível a maior tinturaria europeia de têxteis-lar ter poupanças de água até 70% (cerca de 35 milhões de litros por ano).
A apresentação destas boas práticas antecedeu o debate sobre as barreiras à circularidade.
Para Braz Costa, diretor geral do CITEVE, as barreiras técnicas não são barreiras, mas sim uma motivação para o desenvolvimento tecnológico. As verdadeiras barreiras existem quando não existe equilíbrio nos níveis de regulação da atividade nos vários países, em especial países fora da UE. Essa distorção revela-se no preço final dos produtos, que acaba por dar uma ideia errada de que os produtos sustentáveis são mais caros, quando na verdade, os produtos fabricados com matérias-primas virgens é que não incorporam os custos sociais e ambientais que lhes estão associados.
É numa visão holística que o representante do CITEVE enfatizou estar a solução para as barreiras à circularidade da indústria. Ao invés da abordagem normalmente segmentada em cada elo da cadeia de valor, só o desenvolvimento de soluções integradas trará resposta aos problemas. O Ecodesign é absolutamente crítico para uma indústria têxtil e do vestuário mais sustentável e competitiva.
Jorge Pereira, membro da Direção da ATP, por seu turno, reforçou que a diferenciação das empresas nacionais fase à concorrência asiática deve estar precisamente na capacidade de responder aos valores dos consumidores relacionados com a sustentabilidade e que os produtos têxteis deveriam ser alvo de sinaléticas que atestem o seu grau de sustentabilidade como acontece com a rotulagem energética dos eletrodomésticos.
Para Fernando Leite, administrador-delegado da Lipor, o Ecodesign tem um papel central na capacidade de gestão dos resíduos, assinalando a importância de se definirem regras claras e tecnicamente compatíveis para o sucesso da criação de um novo fluxo específico para resíduos têxteis.